"Hoje eu diria qualquer coisa se você telefonasse".
A carta que eu não te escrevi - nem escreverei - provavelmente começaria assim.
Nada de data, saudação ou endereços - não chegaria até você. Então hoje eu faria qualquer coisa se você permitisse. Mesmo. Tudo o que não foi feito, tudo o que não foi dito. E todos estes tudo's recheiam-se do que deveria ter sido e não foi. E não foi porque talvez uma palavra não dita bastasse para que fosse ou para que não fosse ou para que fosse e não fosse simultâneamente ou para que enfim não houvesse mais se's, e tudo assim mesmo sem vírgulas nem pontos porque dá a impressão que a gente tá correndo, tropeçamos nas palavras e voltamos a fim tentar entender e no fim nada é entendido, porque vou dizendo e pensando e sentindo e todas essas coisas loucas que se resumem em que só o incompreensível é infinito. Sabe que escrevendo isso, neste momento, agora mesmo, me veio o pensamento de que as pausas talvez tenham sido a causa do nosso problema - não bem um problema. Não sei até que ponto eu deveria ter sido prudente, sabe, amor? Porque não fosse essa prudência não teríamos medo do toque profundo suceder o desencanto. Ah, sabia. Não era isso que você também pensava? Que se fôssemos além, se fizéssemos qualquer coisa que ultrapassasse o que éramos, qualquer coisa que nos tocasse mais fundo, que desse responsabilidade aos sentimentos ou nos obrigasse a nomeá-los - perderíamos tudo. Justamente porque no momento em que se confessa a precisão perde-se tudo, eu sei. Então se o toque se tornasse carinho, o encostar suave das bocas se tornasse beijo, o abraço nos fizesse amantes ou o entrelaçar dos dedos nos algemasse estaríamos perdidos. Não é isso que passava na sua cabeça? Eu sei que tínhamos e temos medo, detesto admitir. Não deveríamos admitir, aliás, não deveríamos ter permitido que ele surgisse. E o medo depois - ou antes, não sei - do desacreditar é uma das coisas mais amargas do mundo, eu já lhe disse. Deveríamos ter sido corajosos e acreditarmos sempre. E falando em acreditar escrevo isso com a mesma esperança de quando escrevia a cartinha pro papai noel - isso é bom, não é? Vezenquando funcionava.
Muitas vezes ficamos entre o medo de perder a pessoa amada e o medo de não tê-la de jeito nenhum, por isso não nos permitimos.. Lindo texto. Bjs.
ResponderExcluirQue perfeito, ficou muito lindo. Gostei, beijos!
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